RIO - O aperto nas contas tem aberto os olhos de muitos brasileiros para o fato de que os gastos do dia a dia escondem uma possibilidade de economia muitas vezes desperdiçada. Nascidos com foco em companhias aéreas e cartões de crédito, os programas de fidelidade passaram a investir com força em parcerias com o varejo, ampliando as possibilidades de acúmulo e troca de pontos. Hoje, já é possível ganhar e converter “milhas” em farmácias, postos de gasolina, hotéis, lojas de material de construção, sites de comércio eletrônico etc. As empresas que administram esses programas vendem a ideia de que, por serem gratuitos, eles proporcionam a chance de, mesmo na crise, consumir mais sem pagar mais. Mas especialistas lembram que a fidelização só é uma aliada no orçamento quando não leva a gastos inconsequentes — ou seja, nada de estourar a conta bancária no afã de conquistar pontos!
Embora os programas de fidelidade tenham penetração de apenas 9% entre os brasileiros, as empresas do setor vêm divulgando crescimento de dois dígitos. Segundo a Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Fidelização (Abemf), o faturamento de suas cinco associadas cresceu 27,1% em 2015, atingindo R$ 5,04 bilhões. Roberto Medeiros, presidente da Abemf e da Multiplus, uma das firmas do setor, credita esse avanço à maior variedade de produtos e segmentos contemplados.
As camadas mais baixas da classe B e a própria C passaram a aderir aos sistemas de pontos nos últimos quatro anos, observa Júlio Quaglia, diretor de unidades de negócios da LTM, empresa que cria e gerencia esses sistemas para outras companhias. Foi quando ganharam força os chamados programas de coalizão, que reúnem em um só lugar vários segmentos. A crise também ajudou na atração de clientes ansiosos por descontos.
— Os consumidores estão se conscientizando de que não precisam consumir mais para ganhar pontos. Basta frequentar os parceiros de um programa de fidelidade que, no final, ele vai constituir uma poupança que pode ser trocada por outra coisa. Em um ambiente econômico desafiador, as pessoas precisam olhar para seus gastos e enxergar as oportunidades de milhas no seu dia a dia — diz Medeiros.
CARTÃO, OUTRA FERRAMENTA
Por isso, o presidente da Abemf recomenda escolher um programa com base em seus hábitos de consumo, não o contrário. A dica é relacionar as lojas e prestadoras de serviço que mais usa e aderir ao esquema de pontos que estiver mais presente nesse rol de produtos.
Outra dica para potencializar o acúmulo de pontos sem gastar mais é comprar em lojas parceiras de programas de fidelidade usando cartões de crédito, que também geram milhas.
Na Dotz, programa de fidelidade por coalizão que diz ter 18 milhões de clientes em todo o Brasil, é possível ganhar pontos (chamados de “dotz”) em dobro ao pagar com cartões de crédito do Banco do Brasil (BB).
— É uma forma de acelerar o ganho de pontos. Além disso, todas as lojas parceiras fazem campanhas de dotz extras — conta Roberto Chade, presidente da Dotz, que troca pontos por produtos, passagens aéreas, pagamento de contas de água e luz e recarga de celular.
Medeiros, da Abemf, lembra que pagar com cartão também permite ganhar pontos com a compra de medicamentos, algo que não é possível em programas de coalizão por causa de resolução da Anvisa de 2008.
— Para quem consegue pagar a fatura em dia, é bom concentrar todos os gastos em um só cartão para acumular pontos. Mas só vale para quem está com as finanças em dia. Caso contrário, o consumidor pode acabar tendo de pagar os juros altíssimos dos cartões — recomenda Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da associação de defesa do consumidor Proteste.
Ela observa ainda que o acúmulo de milhas no cartão também depende do câmbio, uma vez que as taxas de conversão são em dólar. Este ano, com o câmbio a R$ 3,50, o usuário precisa gastar 16% a mais para obter a mesma quantidade de milhas de um ano atrás, quando o dólar estava a R$ 3. No site da Proteste há uma ferramenta que permite calcular o gasto necessário para atingir metas de pontuação em dezenas de cartões de crédito.
Mas os próprios programas de cartões estão mais abrangentes. O Esfera, do Santander, além de permitir a tradicional transferência de milhas para os programas de sete companhias aéreas, tem focado na troca de produtos (de eletrônicos a livros) e serviços, conta Rodrigo Cury, superintendente executivo de Cartões do banco. O Esfera oferece ainda descontos em estabelecimentos até para clientes que não usam o cartão de crédito.
A consultora carioca de bem-estar Cristiane Schiefler, de 37 anos, tem concentrado seus gastos no cartão do BB para aumentar seus pontos no Dotz. Com faturas mensais na casa dos R$ 4 mil, ela já conseguiu trocar pontos por máquina de lavar, liquidificador e passagens aéreas.
— Mesmo em tempo de crise, tem coisas básicas que é preciso comprar de qualquer jeito. Então, é uma forma de economizar — diz Cristiane.
ATENÇÃO A REGRAS E PRAZOS
Mas há consumidores que caem na tentação de gastar mais para acumular pontos, estratégia considerada errada por Mauro Calil, fundador da Academia do Dinheiro:
— A maneira correta é utilizar os benefícios da fidelidade nos gastos que você já faz no seu dia a dia. Consumir a mais para ganhar milhas aéreas, por exemplo, sai sempre mais caro do que comprar a passagem.
Maria Inês, da Proteste, adverte ainda que é preciso fazer as contas para saber se o programa vale a pena:
— O princípio desses programas é levá-lo a deixar de comprar em um concorrente. Mas essa loja pode ser muito mais cara. Os cartões que dão mais milhas também costumam cobrar anuidade maior.
Também é importante conhecer o regulamento e observar os prazos, diz Maria Inês. Segundo pesquisa recente do Banco Central, em 2014 os brasileiros deixaram expirar 53,4 bilhões de milhas, 24% do total daquele ano.